Palavras de um dos mais sabios fotográfos que por aqui passou – Luciano Carcará
Fotos da exposição Vida e Morte Sertaneja, do fotográfo baiano Luciano Carcará
O calor do sertão deixa a terra seca, porém permite as cores reluzentes, as marcas nas peles, as texturas das paredes de adobe e da aridez do chão. Varzéa da Ema, povoado pertencente a Chorrochó (Bahia), com todo o emaranhado de tradição sertaneja, povoou a concentração fotográfica do baiano Luciano Carcará. “Mostrar essa realidade para o público foi a minha intenção, sobretudo, pela grande chance de trazer, ao debate, as condições de vivência do sertanejo que, acima de tudo, mantêm vivas suas raízes e heranças culturais. O sertanejo é patrimônio brasileiro”, resume Carcará.
Fotos da exposição Vida e Morte Sertaneja, do fotográfo baiano Luciano Carcará O primeiro contato com Várzea da Ema, em dezembro de 2006, foi fruto das aventuranças praticadas, na época, com intensidade: de mochila nas costas e todos os atributos precisos, descia de cidade em cidade para apreendê-las em cliques. Assim, através da fotografia, “consigo parar um instante de segundo para a eternidade e tornar-me um deus”, diz. Depois de 2006, o percurso de idas e vindas se alternou entre dezembro de 2007 e julho e dezembro de 2008.
Fotos da exposição Vida e Morte Sertaneja, do fotográfo baiano Luciano Carcará40 fotografias, como as que vêem, acima, estão expostas no Centro Cultural Correios até o 6 de dezembro e levam o título Vida e Morte Sertaneja, analogia à literatura de Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto. Na entrevista abaixo, conheça mais sobre a experiência do projeto.
Entrevista
acasoARTE ♣ Qual vivência experimentada espelha bem a experiências vivida?
Carcará ♣ Acredito que ouvir as histórias que estão além da história e poder fazer parte um pouco disso tudo me fizeram refletir sobre a minha condição como ser humano. Histórias que estão além dos livros, visões particulares e desconhecidas sobre o movimento do Cangaço e tantas outras realidades desconhecidas sobre um pequeno povoado, desse imenso país. Sobre quantas histórias fascinantes foram perdidas nas linhas do tempo.
acasoARTE ♣ Alguma foto mais especial?
Carcará ♣ Em todas as minhas viagens ao povoado, um amigo fiel e eficiente assistente fez parte das minhas caminhadas. O pequeno Tom (foto 9), hoje nem tão pequeno quanto antes, foi o companheiro nas horas do sol escaldante. Suas lágrimas nas horas de despedida me fizeram pensar no valor da palavra “amizade”.
acasoARTE ♣ O que Várzea da Ema te inspirou para propor esse projeto fotográfico?
Carcará ♣ Durante uma de minhas andanças fotográficas pela região, no fim de 2006, deparei-me com uma placa perdida na BR-116 que indicava 14 km ao povoado de Várzea da Ema. Logo após o percurso pela estrada de barro, avistei duas fileiras de casas e uma igreja católica ao centro. Sua arquitetura rústica, a receptividade da população e as condições de vida me chamaram atenção. A partir daí, foram mais dois anos de visitas, convívio e fotografias.
acasoARTE ♣ Estando lá, o que mais atraia o seu olhar como fotógrafo?
Carcará ♣ A cultura sertaneja, tipicamente brasileira e mais particular ainda quando se transita de estado para estado, permanece instigante no imaginário das populações dos grandes centros urbanos e desconhecida por parte de muitos. Em pleno século XXI, num mundo globalizado, o povoado de Várzea da Ema encontra-se, ainda, sem acesso a saneamento básico e água encanada. Seu abastecimento hídrico se dá basicamente através de poços (cada vez mais raros) e carros-pipa enviados pela prefeitura. Mas nem por isso, o sorriso das crianças e a hospitalidade dos mais velhos deixam de fazer parte de seus cotidianos.
acasoARTE ♣ Quantos foram os registros e como aconteceu a seleção de fotografias para a exposição?
Carcará ♣ Foram mais 250 fotos só na primeira viagem. A curadoria foi difícil e uma comissão formada por jornalistas, artistas plásticos e fotógrafos-amigos me ajudaram nesse processo. Procurei mostrar ao público baiano um pouco dos costumes, expressões, cores, texturas, marcas e contrastes desse pequeno povoado sertanejo que, entre a seca, a fome e a história, sobrevive às intempéries do tempo.